Paulo Eduardo Martins de Lima

      No mês que a Petrobrás completa sessenta anos é fácil constatar o quanto essa empresa é importante e vital para o país. As divergências sobre seu papel existem e são da ordem política bem como é notada uma disputa por sua ação estratégica. Na imprensa de hoje se reverbera uma crise na Petrobrás¹, insinuando-se que essa situação foi gerada a partir de uma opção equivocada de seus dirigentes e do governo federal, seu acionista majoritário. Não há intenção de negar, nem confirmar tal afirmação, mas verificar com alguns exemplos, como a Petrobrás, por motivos diferentes esteve presente com destaque na imprensa.

Sobre a imprensa, Werneck Sodré opina que “A grande imprensa brasileira opera, na fase atual, uma tarefa que antes nunca desempenhou: a de deformar a realidade, ou a de escondê-la.”². Não querendo aprofundar essa questão, mas respeitando o grandioso trabalho de pesquisa que Werneck Sodré teve em trinta anos dedicados à produção desse livro, examino em fases distintas o posicionamento que a imprensa teve a respeito da Petrobrás.

A Petrobrás iniciou suas operações em 1954, embora fosse criada em 03 de outubro de 1953 pelo presidente Getúlio Vargas, após longa disputa pela necessidade e conveniência de sua criação. Hoje ocupa lugar no cenário nacional e internacional com investimentos na ordem de R$ 84 bilhões, uma receita líquida R$ 281 bilhões com lucro líquido R$ 21 bilhões, cerca de 570 mil acionistas, com 85.065 empregados e presença global em 25 países. ³ Uma potência econômica e política, sem duvida alguma.

Monteiro Lobato, antes mesmo da criação da Petrobrás já utilizava a imprensa nas lutas para transformar o petróleo em problema nacional, ligado a economia e soberania da nação Em todo tempo, antes mesmo dessa criação da Petrobrás já se debatiam os defensores da abertura do setor petrolífero ao capital estrangeiro e os de tendência nacionalista e favorável ao monopólio estatal. A divisão dessas visões se dava em diversos setores da sociedade, nos meios intelectuais, políticos e até militares, com uma linha representada pelo general Juarez Távora4 que defendia a participação de investimentos estrangeiros por conta da incapacidade técnica e financeira do Brasil para exploração do petróleo. Por outro lado, um pensamento incorpado no discurso do general Horta Barbosa5 defendia a alta rentabilidade do petróleo e com sua exploração, rapidamente o país teria uma atividade autofinanciada, não necessitando de auxilio externo, apoiando o monopólio estatal. Essa posição dos militares lhes deu a vanguarda das discussões e os jornais que apoiavam uma e outra posição ampliavam esse debate. Carvalho Júnior6 em 2005, repercutiu a posição liberal do jornal Estado de São Paulo e do defensor do monopólio, o jornal Diário de Noticias. Referido autor conta que o jornal Estado de São Paulo representa “os interesses das Associações e Confederações do Comércio e Indústria de São Paulo interesses da burguesia paulista configurado no editorial de 08/10/1953:

A atitude do Executivo e do Legislativo federais em relação ao problema do petróleo denuncia absoluta irresponsabilidade em face dos interesses nacionais. Quanto á urgente necessidade de tudo se fazer com o objetivo de prospectar e explorar as riquezas petrolíferas que o nosso subsolo porventura encerre, a “solução” encontrada foi a da “Petrobras”, que onerará excessivamente os contribuintes, a ponto de prejudicar a economia nacional, sem nos trazer a menor esperança de resultados positivos. A “Petrobras” significará um considerável desperdício de dinheiro e de tempo, atestando nossa incapacidade de resolver um dos mais urgentes problemas econômicos nacionais. Além disso, a aprovação e sanção do projeto de lei que cria essa empresa explicam-se menos pela ignorância do que pela sujeição do Executivo e do Legislativo á demagogia e a argumentos eleiçoeiros. Mais de uma vez tivemos o ensejo de registrar e condenar a co-responsabilidade da União Democrática Nacional nessa questão.

 

Já o jornal Diário de Noticias foi um dos poucos a abrir suas páginas para a Campanha do Petróleo e revelar, nos editoriais, o apoio emprestado aos grupos nacionalistas, especialmente o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e Economia Nacional (CEDPEN), que se tornou um referencial à época de defesa do monopólio em poder da Petrobrás.

As greves dos funcionários da Petrobrás foram temas em circunstanciados momentos, como a Greve de 1983 em plena Ditadura Militar, a Greve de 1995 que enfrentava as medidas neoliberais do governo Fernando Henrique Cardoso, a Greve de 2001 aprimeira greve depois dos ataques á organização sindical desde 1995 e a Greve de 2009 que buscava uma participação melhor para os empregados nos Lucros e Resultados da empresa. Sobre a greve de 1995, Holanda Gomes8 também discute a repercussão nos grandes jornais da cobertura sobre esse movimento paredista e exemplifica, citando o Jornal do Brasil:

A suspensão das atividades de dezenas de fábricas fez a sociedade brasileira refletir em profundidade sobre a conveniência de manter o monopólio estatal do petróleo (…) a sociedade brasileira lutou, nos últimos 50 anos, pela institucionalização do monopólio do petróleo (…). Com o Brasil assumindo o posto de 10ª economia do mundo, as mudanças no quadro mundial, a sociedade pode reexaminar a solução sob nova ótica. (JORNAL DO BRASIL, 28/11/1994).

Estava em jogo, portanto uma disputa em defesa dos interesses do governo liberal de Fernando Henrique Cardoso e dos trabalhadores brasileiros, ali representados pela resistência dos petroleiros. Aproveitava-se da greve, a imprensa para alardear sua defesa da quebra do monopólio do petróleo, já defendida em outros momentos, como na sua própria criação. A greve de 1995 foi uma resposta da categoria petroleira aos acordos assinados e não cumpridos pelos representantes da Petrobrás e governo federal. A disputa política essa sempre vai acontecer, ao meu pensamento em todos os movimentos paredistas que ameacem a lógica do capital

Durante os intensos debates antecedentes ao Golpe Civil e Militar de1964, aPetrobrás foi discutida nos jornais. Sabe-se que desde sua criação, a participação dos militares na criação da Petrobrás foi intensa. Os quatro primeiros presidentes da empresa tinham origens militares. No inicio da década de 60 assumem os primeiros presidentes civis da empresa. No período logo antecedente ao movimento golpista de 1964, lemos no jornal O POVO em artigo escrito por Padre Antônio Vieira:

 

“Não foi sem razão que os comunistas fizeram tanto empenho em dominar a Petrobrás. Primeiro para terem dinheiro a rodo para as suas manobras táticas. Segundo, porque comandando a onda inflacionária, criam o clima de instabilidade emotiva tanto do agrado dos comunistas. Terceiro, porque podem parar a nação inteira a qualquer momento. Até as próprias Forças Armadas dependem dela para se locomover e para estar presente onde houver tumulto e insegurança.” (Vieira, 13/02/1964, O POVO)

 

Nesse breve comentário e em semelhantes a esse, publicados no jornal O POVO, percebe-se a satanização dos comunistas, movimento típico da época que opunham comunistas e capitalistas, advinda da Guerra Fria travada entre URSS e EUA. Tenta-se imputar aos comunistas uma pecha de radicalidade e de baderna e por as Forças Armadas em posição de destaque e orgulho nacionais e contrapô-los aos governantes de então. Ressalte-se que os quatro primeiros presidentes da Petrobrás foram militares, sucedidos por dois civis, que foi exceção até o final do governo ditatorial

Nas campanhas presidenciais recentes, a questão da privatização das empresas estatais foi ponto de discussão acirrada entre os candidatos sendo a Petrobrás um dos alvos tanto defendendo sua manutenção enquanto empresa pública, como os que se punham como defensores de sua privatização. A perda do monopólio de exploração e produção do petróleo aconteceu no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso num processo de repercussão nacional que foi amplamente noticiada. Recentemente um blog9 foi criado pela própria Petrobrás para dar conta de responder à demanda da imprensa, colocando ao público a visão e defesa de seus procedimentos, contrapondo-se algumas vezes ao que era publicado nos diversos meios de comunicação no Brasil e no exterior. Há de se ter uma visão critica do blog, que por ser uma ferramenta da empresa, tentando credenciar-se crível em suas informações.

Enfim, esses exemplos acima são pequenas ilustrações, de como a Petrobrás sempre pela sua inquestionável importância para o país, teve destaque na imprensa. Pelo espaço e pelo texto resumido não há como aprofundar essas questões, mas a observação dos interesses que ensejam esse destaque deve ser examinada em minúcias, tanto com quem pesquisa como quem acompanha o panorama político, econômico e social, a fim de se prevenir de discursos elaborados a partir de inconfessáveis lógicas e motivações.

 

Notas:

1- Exemplificado em Graça Foster rebate acusação de crise na gestão da Petrobras, disponível em http://oglobo.globo.com/pais/graca-foster-rebate-acusacao-de-crise-na-gestao-da-petrobras-7816906#ixzz2f3rWYia4
2- SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Mauad, 1994, pag. XVI

3-  Extraído do sitio www.petrobras.com.br

4- ….envolveu-se no debate em torno do petróleo brasileiro, defendendo a participação do capital estrangeiro em sua exploração e travando acirrada polêmica com os setores nacionalistas das Forças Armadas. Extraído de “http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/juarez_tavora”

5- … tornou-se presidente-de-honra do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional, principal incentivador da campanha do “petróleo é nosso”.Extraído de”http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/horta_barbosa”

6- CARVALHO Junior, Celso, A criação da Petrobras nas páginas dos jornais O Estado de São Paulo e Diário de Notícias, pag. 62

7-  Extraído de http://www.fup.org.br/2012/lutas/greves

8- GOMES, Orismar Holanda, A Greve dos petroleiros de 1995, monografia apresentada no, curso de História, Universidade Estadual do Ceará, 2007, Pág 29.

9- Blog Petrobras http://fatosedados.blogspetrobras.com.br

 

BIBLIOGRAFIA:

 

CARVALHO Junior, Celso, A criação da Petrobras nas páginas dos jornais O Estado de São Paulo e Diário de Notícias, Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências e Letras Universidade Estadual Paulista de Assis,2005, 180f.

CAPELATO, Maria H. R.  Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Contexto/EDUSP, 1994.

DIAS, José Luciano de Mattos ; QUAGLINO, Maria Ana; A questão do petróleo no Brasil: uma história da PETROBRAS. Rio de Janeiro: CPDOC: PETROBRAS, 1993.

211p.

GOMES, Orismar Holanda, A Greve dos petroleiros de 1995, monografia apresentada no, curso de História, Universidade Estadual do Ceará, 2007

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Mauad, 1994,

VENANCIO, R. D. O. . Jornalismo e Linha Editorial: Construção das notícias na imprensa partidária e comercial. 1. ed. Rio de Janeiro-RJ: E-papers, 2009. 242 p