ARTIGO: POR QUE RETIRAR A TANCAGEM DO MUCURIPE?
Porto do Mucuripe com o píer petroleiro em destaque
O Porto do Mucuripe, na localização atual, contribui desde 1965 para o desenvolvimento da cidade de Fortaleza e região metropolitana. Abastece a região com produtos que favorecem o dinamismo da nossa indústria e comércio, sendo fundamental para toda a cadeia de suprimentos, alavanca o turismo através do abastecimento de transatlânticos, querosene de aviação e fornece demais combustíveis como diesel, gasolina e GLP.
A localização estratégica do Porto do Mucuripe beneficia-se da sua proximidade com os mercados da América do Norte e Europa. É controlado pela Companhia Docas do Ceará (CDC), uma empresa pública vinculada ao Ministério da Infraestrutura e Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, que tem por objeto realizar a administração e a exploração comercial do Porto de Fortaleza, atuando como Autoridade Portuária.
É importante frisar que o porto do Mucuripe e posteriormente seu parque de tancagem, nas suas origens eram bastante afastados do meio urbano durante as primeiras décadas de implantação. Com a construção do píer petroleiro em 1982, as atividades foram intensificadas. A urbanização cresceu, fomentada por trabalhadores atraídos por empregos. Deste modo, seguiu o mesmo caminho de outros grandes portos e refinarias de petróleo que estão encravados em metrópoles litorâneas. Recentemente, os próprios órgãos públicos estimularam a ocupação próxima à refinaria Lubnor e ao parque de tancagem de combustíveis, realocando moradores desapropriados nas obras do VLT para o conjunto residencial Alto da Paz em 2018 (Minha Casa, Minha Vida). Os prédios ficam ao lado da refinaria. Nas proximidades está sendo construído o Cuca do Vicente Pizón.
Tancagem no Mucuripe. Década de 1940.
Ao fundo, Tancagem do porto do Mucuripe na década de 1970.
Porto do Mucuripe e antiga Asfor (hoje Lubnor) na década de 1970.
Desde 2003, o Governo Estadual busca realocar as atividades de carga, descarga, estocagem e distribuição de combustíveis líquidos e de gás liquefeito de petróleo (GLP) do Mucuripe para o Pecém, alegando riscos ambientais, de segurança e saúde que a atividade traria para moradores da região. Essa iniciativa está descrita no programa Plataforma Ceará 2050. Há também, tratativas similares no âmbito da prefeitura de Fortaleza no novo plano diretor da cidade, Fortaleza 2040.
As obras da construção do novo parque de tancagem no Pecém (CIPP) devem iniciar em março de 2025, conforme informou a assessoria do Complexo. O Grupo privado Dislub Equador será a empresa responsável pela construção e operação. A conclusão está prevista para agosto de 2027. Até lá, um projeto de lei prevê que as empresas em operação no Mucuripe continuem com suas estruturas funcionando normalmente.
As licenças ambientais expedidas pela Superintendência Estadual de Meio Ambiente (Semace), bem como os demais órgãos estaduais competentes, serão provisórias e condicionadas à mitigação dos danos ao meio ambiente e estruturação de um plano de desmobilização para transferência da tancagem do Mucuripe para o Pecém. Destaca-se que a Constituição Federal do Brasil define, no inciso X do artigo 22, que legislar sobre o regime dos Portos é competência privativa da União e, portanto, as áreas do Porto Organizado não se condicionam, a princípio, ao zoneamento municipal, devendo, apesar disso, cumprir a legislação e requisitos ambientais vigentes. Os problemas iniciam nesse ponto.
As premissas dos riscos à população não estão bem fundamentadas e não são corroboradas por fatos históricos ou por um estudo aprofundado de gestão de mudanças.
Falam-se de dois grandes acidentes na tancagem do porto de Mucuripe, porém os detalhes são deliberadamente ocultados. Procuramos uma base histórica e os únicos grandes incêndios dos quais obtivemos registro datam de 1980 (tancagem da Shell) e 1986 (tancagem da Esso), sendo o primeiro considerado o maior incêndio da história de Fortaleza. Ambos sem vítimas fatais e somente com danos materiais, além do impacto da fumaça como todo grande incêndio. Recentemente, incêndios florestais no parque do Coco cobriram Fortaleza com fuligem, só para lembrar a imprevisibilidade de tais ocorrências. Incômodos foram gerados e são lamentáveis. Contudo, poucos dias depois, seguimos nossas vidas normalmente.
Passaram-se, portanto, 38 anos desde o último grande incêndio na tancagem do Porto do Mucuripe. Desde então, muitos aspectos de segurança no trabalho foram introduzidos como as normas regulamentadoras NR20 (Segurança e Saúde no Trabalho com Inflamáveis e Combustíveis) e NR23 (Proteção Contra Incêndios). Ademais, as próprias Seguradoras, Responsabilidade Social e exposição ao Mercado Acionário obrigou as indústrias a se adequarem e investirem massivamente em segurança contra incêndios.
Hoje, a qualificação e treinamento dos trabalhadores, melhorias tecnológicas como instrumentação, somada às rotinas prevencionistas de monitoramento e gestão, tornaram grandes acidentes de segurança de processo muito raros.
Atualmente, os tanques de armazenamento e esferas, são bem instrumentados com acompanhamento remoto em salas de controle e uma série de barreiras de contingência para evitar acidentes. Existem sensores instantâneos de presença de hidrocarbonetos e inflamáveis; controles de nível, pressão e temperatura automatizados, sistemas de proteção contra descargas atmosféricas, câmaras de espuma, sprinklers (chuveiros automáticos) e serviços críticos de manutenção precedidos de minuciosa análise de riscos antes da liberação.
Portanto, parecem exageradas as preocupações de impacto na população, principalmente quando falamos de combustíveis líquidos, que por suas características intrínsecas, em caso de sinistros, tem impactos geralmente apenas locais. Se tal temor fosse justificado, não deveriam existiam tantos postos de combustíveis, inclusive de GNV espalhados pelas cidades e dentro de bairros populosos. Óbvio, que os volumes são menores, porém o raio de abrangência e impacto, no caso de incêndios e explosões e a probabilidade de vítimas fatais é muito maior. Isso sem levar em conta, outras indústrias que operam na capital com riscos pouco mensurados como: armazenagem de fertilizantes nitrogenados, silos de grãos (risco de explosão por eletricidade estática) e fábricas de bebidas e grandes câmaras frigoríficas que utilizam gás amônia na refrigeração (altamente tóxico e asfixiante).
Conclamamos aos srs vereadores, deputados, assessores e demais governantes que visitem as instalações para verificar in loco as medidas de segurança tomadas e o grau de aderência às ações, antes de realizar mudanças abruptas na cidade.
Nossa opinião é que o governo do Estado deveria estar mais preocupado em fortalecer a fiscalização através do Corpo de Bombeiros e demais órgãos, ao invés de proibir as atividades industriais com combustíveis no Porto do Mucuripe.
A MUDANÇA SERÁ FACILMENTE REALIZADA PELAS EMPRESAS DO PORTO DO MUCURIPE?
Tancagem do Porto do Mucuripe
Não. Com certeza nenhuma empresa arcará com tais prejuízos e os casos devem ser judicializados. Aliás, em 2022, a Vibra já conseguiu uma liminar favorável com tutela de urgência que impede a transferência de seus ativos para o Porto do Pecém. (Ação Cível Originária 3294). O ministro do STF Nunes Marques determinou ao Estado do Ceará “que não crie obstáculos ao exercício das atividades da Petrobras Distribuidora S.A. (atual Vibra) no Porto do Mucuripe, em Fortaleza. ”
É notório que a imposição de transferência é ilegítima e causa insegurança jurídica. Já foram editados 04 (quatro) decretos ao longo dos anos e nenhuma empresa foi obrigada a retirar as suas instalações para outro local. Ainda temos o aspecto do favorecimento de um terminal de uso privado (CIPP) em desfavor de um porto público (Porto do Mucuripe), fato esse que deve ser judicialmente explorado pelas empresas prejudicadas.
Na realidade, a coação para retirada da tancagem do Mucuripe, por questões de segurança tem sido contraproducente. A insegurança das empresas na continuidade de suas operações tem levado à falta de investimentos na substituição das antigas tancagens e na proibição da ampliação daquelas existentes, aumentando os riscos das atividades, reduzindo o faturamento por ganho de escala e a segurança energética de Fortaleza.
Poucos foram os investimentos nos últimos anos devido ao imbróglio. Em 2023, a Ipiranga investiu R$ 80 milhões na sua distribuidora no Mucuripe com o objetivo de expandir sua atuação no Ceará e no Nordeste com um novo ativo moderno e eficiente, aumentando sua capacidade de armazenamento para 21.600 m³. Já o líder mundial em testes, inspeção e certificação (TIC), Bureau Veritas, abriu o Laboratório OPM (Oil, Petrochemicals, and Minerals) no Mucuripe com um investimento não divulgado. Todos estes investimentos seriam perdidos no caso de transferência do parque de tancagem.
A Petrobras iniciou estudos para transformar a Lubnor na primeira refinaria Carbono Zero do país, dobrando a capacidade atual de produção de lubrificantes e produzindo diesel verde automotivo. Acreditamos que essa mudança está em linha com o Plano diretor de Fortaleza. Só este investimento, se aprovado, seria superior a R$ 1 bilhão de reais até 2032 e está guardando a definição se o parque de tancagem e a refinaria continuarão a funcionar, além da divulgação do novo plano de investimentos 2025-2032 que deve ser divulgado até final de 2024. Caso contrário, a unidade será fechada até 2027 (decisão já tomada). Ao invés de aumentar os impostos e reduzir a poluição, isto tornará a capital ainda mais dependente de combustíveis. Importante destacar que estas cifras são bastante superiores ao investimento de R$ 430 milhões alardados pela imprensa na nova tancagem do Pecém para o período de 35 anos.
Somente a Lubnor representa a arrecadação de R$ 1,2 bilhão ao ano de ICMS, correspondente a 10% do arrecadado no estado do Ceará. Já as perdas de ISS para a prefeitura de Fortaleza são estimadas na casa de dezenas de milhões de reais ao ano. Com a mudança de empregados para outras cidades, também serão perdidos milhões de reais com imposto de renda.
É surreal, acreditar que as empresas retirarão seus tanques de armazenamento e transportarão para o porto do Pecém. É inviável técnica e financeiramente. Se confirmado, as distribuidoras e a refinaria devem ser desativadas, talvez algumas poucas, caso existam incentivos fiscais, montem novos parques de tancagem no Pecém, porém é improvável frente à concorrência prevista para operar no local. Inclusive, uma grande tancagem para importação de derivados como previsto, deve inviabilizar o sonho da refinaria do Pecém, por concorrerem no mesmo mercado.
QUAL O IMPACTO DA TRANSFERÊNCIA DA TANCAGEM DO PORTO DO MUCURIPE PARA O PECÉM?
O impacto inicial é a perda de milhares de empregos nas indústrias e distribuidoras de combustíveis que serão obrigadas a fecharem as portas. Somente na Lubnor, são cerca de 450 empregos diretos e mais de 2000 empregos indiretos.
As empresas impactadas serão: Lubnor (Petrobras), Transpetro, Vibra Energia, Ipiranga, Raízen, Nacional Gás Butano, Ultragaz, Copa Energia e SP Combustíveis.
É importante ressaltar, que não há notícia de outros parques de tancagem no Brasil que foram obrigados a retirar suas instalações. Tomamos como exemplo, dois dos maiores portos do Brasil: Porto de Santos em SP e Porto de Paranaguá no Paraná. Ambos, grandes portos com décadas de atuação e incidentes de segurança recentes. Da mesma forma do Porto de Mucuripe, no decorrer do tempo, foram absorvidos dentro das cidades e tem população no entorno.
Porto do Santos com população próxima
Tancagem do Porto do Santos com população próxima
Tancagem do Porto de Paranaguá com população no entorno
Porto de Paranaguá com população próxima
Não sabemos se foram realizados estudos do impacto social profundo da transferência da tancagem do porto de Mucuripe para o Pecém. Mudança de residentes, perda no comércio local, riscos do aumento do fluxo de veículos com cargas perigosas (combustíveis, inflamáveis e GLP) nas estradas para abastecer Fortaleza, impacto na especulação imobiliária da região sobre a população remanescente, etc.
Por tudo isso, o Sindipetro Ceará está alinhado ao entendimento da Companhia Docas do Ceará que defende a permanência da tancagem no Porto do Mucuripe e incentivo à transferência voluntária ao parque de tancagem no porto do Pecém. Há necessidade e mercado para as duas áreas e atenderia questões de contingência e estímulo a concorrência. Isso implicaria na maior segurança do abastecimento de Fortaleza e preços melhores para os consumidores finais.
E AGORA, O QUE FAZER?
Os órgãos envolvidos devem conversar. Governo Federal, Governo Estadual e Prefeitura serão do mesmo partido político em 2025, PT – Partido dos Trabalhadores. É uma oportunidade do MPF, Companhia Docas do Ceará, Ministério da Infraestrutura, Governo do Ceará e prefeitura de Fortaleza, sentarem e discutirem com tranquilidade o melhor para a cidade. De forma técnica e pragmática. O Sindipetro CE/PI como parte interessada e atendendo suas obrigações legais de defender os empregos e condições de trabalho dos petroleiros se coloca à disposição para participar de todas as reuniões e contribuir com todo esclarecimento necessário.
Como dissemos, a conjuntura mudou. A refinaria Lubnor, que é o ativo mais importante da retroárea do porto do Mucuripe, saiu da lista de privatização e tem um projeto bem estruturado e maduro alinhado ao combate das mudanças climáticas. Essa decisão tem que ser tomada até abril/2025 com risco de interrupção do projeto. Sabemos que existiram discussões em relação ao plano diretor de Fortaleza, mas a mudança será tão significativa na cidade que a população merece novas alternativas ao que foi aprovado.
Sem querer romantizar, as chamas acessas do flare na Lubnor (também é um item de segurança) é tão simbólico para a cidade de Fortaleza quando as cantadas velas do Mucuripe e o encalhamento do navio Mara Hope em nosso litoral. Já faz parte do cotidiano e da nossa paisagem.
Por fim, pedimos que os senhores estejam atentos aos números. O parque de tancagem da Petrobras somado às distribuidoras de combustíveis tem tancagem estimada de 215.000 m³ (duzentos e quinze mil metros cúbicos) dos quais cerca de 140.000 m³ são exclusivamente dedicados à venda de combustíveis. Sabemos que a capacidade está no limite, porém a tancagem inicial anunciada para o porto do Pecém em 2027 é de apenas 130 mil metros cúbicos com possibilidade de ampliação futura para 210 mil metros cúbicos. Não há solução no curto prazo para abastecimento de Fortaleza que não seja a continuidade das operações da tancagem do Mucuripe, com garantia e manutenção de toda a segurança necessária.
Estamos alertando aos parlamentares e à sociedade cearense para que não se repitam os equívocos da retirada (sem planejamento) do terminal de regaseificação de GNL do porto do Pecém. O Governo do Ceará acreditou numa intenção de instalação de um terminal flutuante da Shell que não se concretizou e acabou comprometendo a segurança energética do Estado. Devido a hibernação do antigo terminal da Petrobras, o fornecimento de gás natural está no limite e condicionado apenas a um fornecedor. Qualquer incidente no gasoduto que traz gás natural do RN, resultará em paralisação de indústrias e falta de gás em residências. Recentemente tivemos um alerta com interrupção temporária do fornecimento. A hibernação do terminal de regaseificação, ocasionou o fechamento da TermoFortaleza, transferência do projeto já licitado e aprovado da termoelétrica PortoCem para outros estados e paralisação da TermoCeará que hoje só opera com diesel (muito oneroso e pouco competitivo). Fortaleza não merece e não pode passar por tamanha incontingência.