A recente intervenção federal no Rio de Janeiro, colocando o Exército no comando da segurança pública, abre uma fase muito perigosa para a já cambaleante democracia brasileira. A apresentação da proposta de mandados de busca e apreensão coletivos e a escolha de áreas de periferia como territórios de ocupação militar revela um caráter autoritário típico das ditaduras tradicionais. Mais grave ainda é definir uma parte da população brasileira como um inimigo a ser contido e reprimido. A avaliação é de Dilma Rousseff (PT), afastada da presidência da República em 2016 por um processo de impeachment que segue sendo alvo de denúncias, especialmente no exterior, como ocorreu semana passada no Festival Internacional de Cinema de Berlim. A presidenta eleita em 2014 com mais de 54 milhões de votos segue chamando o impeachment pelo que considera ser seu nome verdadeiro: “golpe”.
Em entrevista ao Sul21, Dilma Rousseff analisa as características da atual etapa desse golpe e alerta para seus aspectos mais graves, expressos nos últimos dias a partir da intervenção federal no Rio de Janeiro. “É típico da Justiça destes momentos de exceção criar a justiça do inimigo. E este inimigo, no caso do Brasil, é o negro pobre que mora na periferia. Quem é o inimigo? Pelas declarações de integrantes do governo vê-se uma coisa surgindo claramente: o inimigo fala português, é brasileiro, negro e pobre ou mulato. Ele não é branco, não mora em Ipanema nem no Leblon”.
Em relação às eleições de 2018 e à candidatura de Lula para a presidência, ela reafirma que não existe Plano B. “Nós vamos resistir até o fim em duas dimensões. Uma é defender a candidatura do Lula. A outra é defender a realização das eleições. Essas duas dimensões são duas faces de uma mesma moeda. Impedir a candidatura do Lula ou adiar as eleições é problema deles. O nosso é ter a candidatura do Lula e ter eleição. No Brasil, sempre que houve democracia nós ganhamos. Sempre que os processos democráticos são contidos nós perdemos”.
Sul21: Em uma entrevista ao Sul21, há cerca de um ano, a senhora chamou a atenção para o fato de o golpe que a afastou da presidência ainda estar em curso e que, em sua segunda fase, seria ainda mais radicalizado e repressivo. Na sua avaliação, os acontecimentos que estamos vivendo hoje no país se enquadram nesta caracterização de uma nova etapa do golpe?
Dilma Rousseff: Penso que se enquadram, sim. Mesmo o golpe de 64, que abriu um processo de 21 anos, teve etapas e momentos de radicalização onde se aprofundou e atuou mais sobre a sociedade que ficou mais coagida, reprimida e fechada. O ato inaugural do golpe de 2016 é o impeachment sem crime de responsabilidade. Não sei se você lembra, mas uma das grandes questões neste processo inicial do golpe era uma tentativa sistemática dos golpistas de querer impedir que usássemos a palavra “golpe” para definir o que aconteceu. É próprio dos golpistas querer esconder a característica arbitrária, de censura e anti-democrática de suas ações. O golpe de 64 também adotou essa prática. Lembro perfeitamente. Quando eu estava presa, era divulgado pela mídia que não havia presos políticos no Brasil. Apesar das cadeias cheias, nós não existíamos. Isso fazia parte do processo de negação da ditadura militar brasileira.
O golpe que teve seu ato inaugural em 2016 também é um processo. Naquele momento se atinge de forma muito radical as instituições. A partir daí, teremos conflitos crescentes. Veremos o golpe atingindo segmentos do Judiciário quando o TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4a. Região) aprovou que eu, como presidente da República, tivesse sido gravada sem autorização do Supremo Tribunal Federal. Isso feria gravemente não só a Constituição, como a própria Lei de Segurança Nacional. Em qualquer país do mundo, dito de democracia avançada, uma pessoa que gravasse o presidente da República sem autorização seria presa. Na chamada pátria da democracia liberal, essa pessoa não duraria dois dias solta e seria submetida inclusive a tribunais de exceção. No entanto, o TRF4 disse que essa prática era aceitável porque decorria de uma investigação da Lava Jato que seria um processo excepcional e, em função disso, permitiria medidas excepcionais, mesmo que contrárias à legislação do país.
Logo após o impeachment começaram a aparecer legislações que são, nada mais nada menos, que medidas excepcionais, fora do marco da Constituição. Houve outro episódio que merece ser lembrado, aquela invasão do Congresso por um grupo de pessoas, onde uma delas, ao olhar para uma bandeira do Japão, disse que ela era uma prova da tentativa de implantar o comunismo no Brasil, Enquanto isso, estudantes secundaristas estavam sendo presos por resistir ao avanço da censura e da intervenção em suas escolas. É próprio dos golpes ter vários atos, inclusive institucionais, que começam a mostrar a existência de um certo caos entre as instituições. Neste período, já tivemos conflitos do Senado com o STF sobre a possibilidade de investigar o senador Aécio Neves, do procurador geral com ministro do Supremo, entre outros. Temos um caos institucional com o avanço de certas medidas excepcionais.
Isso se reflete também, obviamente, na pauta do golpe, que foi feito para alguma coisa. Ele não foi feito simplesmente para me tirar do governo, mas para implantar no Brasil uma pauta completamente diferente daquela aprovada pela maioria da população nas eleições de 2014. O governo golpista que assume não tem legitimidade para cumprir o programa que vai cumprir, ferindo diretamente a Constituição. Um exemplo disso é a aprovação da PEC que congela os gastos por 20 anos, tirando dos cinco presidentes subseqüentes aquilo que caracteriza a eleição presidencial, a saber, o poder de dispor do orçamento. Aprovaram uma redução indiscriminada dos gastos e, no caso da saúde e da educação, um limite dado pela inflação, por mais que o Brasil seja um país com imensas desigualdades e carências em termos de educação e saúde.
A partir daí, desandam a aprovar terceirização, reforma trabalhista, entrega do patrimônio público…Começam a pagar investidores internacionais quando não tinham que pagar nada. Aceitam acordos de leniência que nenhum país do mundo aceita e pagam bilhões de dólares para investidores que não têm nada a ver com aquilo.
Sul21: A partir de que momento poderíamos falar de uma segunda etapa do golpe?
Dilma Rousseff: Você pode periodizar esse processo do golpe de várias formas, mas eu acho que essa segunda etapa tem uma caracterização precisa. O golpe é um processo de enquadramento social, econômico e geopolítico do Brasil no neoliberalismo. E esse processo tem uma data marcada, que é a eleição de 2018. Eles não conseguiram aprovar toda a pauta que desejavam. Não conseguiram, por exemplo, aprovar a reforma da Previdência. Também não vão conseguir vender a Petrobras ou partes dos blocos de petróleo. Também não vão conseguir vender a Eletrobrás, nem desmontar o BNDES completamente. Tampouco conseguirão fazer isso, neste período, com o Banco do Brasil e a Caixa. Então, eles precisam se reproduzir, elegendo um candidato em outubro de 2018.
O maior problema do golpe é que ele, politicamente, deu errado. O que significa “politicamente dar errado”até agora? Ele não conseguiu criar um candidato dentro do grupo conservador básico que deu o golpe. Houve uma reação política adversa ao golpe. Eles perderam a narrativa. O golpe passa a ser golpe. Politicamente, há um reconhecimento de que houve um golpe. Mas eles também foram atingidos fortemente pelo golpe. Tanto é assim que as principais lideranças do PSDB foram praticamente destruídas em termos eleitorais. Isso não estava previsto no script daqueles que deram o golpe.
Estão descobrindo agora algo que todo mundo sabia. Participei de uma discussão em um programa de televisão com o então candidato Serra sobre o Paulo Preto. O Paulo Preto disse: “não se abandona um amigo na beira da estrada”. Agora, os jornais estão dizendo que a Suíça aponta que, na beira da estrada, há 113 milhões de reais. Houve uma destruição política do PSDB, sobrando só o Alckmin. Mesmo o Alckmin teve um certo abalo, muito pelo fato deles também terem apoiado o golpe. De partido da modernização conservadora, o PSDB passou a ser um partido golpista infectado pela corrupção.
Como subproduto desse processo, os golpistas criaram a extrema-direita. Movimentos como O Vem pra Rua e os MBL da vida foram financiados por grandes empresários. O líder do Vem pra Rua fazia todas as suas tratativas enquanto trabalhava para o Jorge Paulo Lemann (dono da AmBev). Todo mundo sabe hoje o nível de financiamento que esses grupos receberam do exterior. Além deles, todo preconceito, toda radicalização política e intolerância desencadeada pelo golpe refletia, não só o processo do impeachment, mas o fato de que somos uma sociedade que saiu da escravidão há 130 anos e que tem uma elite que não se conforma que seus privilégios sofram um único arranhão. Essa elite considera que, entre esses privilégios, estão serviços públicos que devem ser vedados à população mais pobre. A história dos aeroportos é um exemplo disso. Outro é a inconformidade com o acesso da universidade de pessoas que, na avaliação deles, não deveriam estar lá. O filme “Que horas ela volta” é extremamente expressivo ao mostrar a relação entre exclusão e privilégio no Brasil.
De tudo isso, surge o Bolsonaro. Pela primeira vez, no período pós-democratização, algo que existia na sociedade, mas não aparecia, acabou aparecendo. Toda manipulação feita pela mídia, em especial pela Rede Globo, bem representada pela Tuiuti com os patos amarelos, permite que, nas fissuras abertas pelo impeachment, surja a extrema-direita. A respeito desse fenômeno, penso que cabe uma reflexão séria sobre a relação entre a financeirização, o aumento da desigualdade e os efeitos sobre a democracia.
Sul21: Isso não só em escala nacional…
Dilma Rousseff: Sim. Temos uma democracia mitigada. Por que, em vários países, a extrema-direita passou a ter uma importância que não tinha nos momentos anteriores. Não estou falando só da Frente Nacional, na França, mas do surgimento recente, na Alemanha, de movimentos neonazistas que não tinham aparecido no Parlamento até então.
Então, voltando ao caso brasileiro, o efeito político do golpe foi um processo de quebra no bloco conservador com o surgimento da extrema-direita com maior força. E do lado dos partidos de esquerda, o que acontece? Eles esperavam que o PT, o partido com mais força dentro do campo democrático e popular, tivesse morrido. O processo do impeachment trazia com ele uma clara direção e foco: o meu afastamento, a destruição das lideranças do PT e a tentativa de transformar o presidente Lula em uma pessoa execrável. Esse era o objetivo dos pixulecos na avenida.
No entanto, o que ocorre é algo absolutamente inesperado para eles. O PT se fortalece. No pior momento do processo de impeachment, o PT cai de 30 e poucos para 12% da preferência popular. Agora se recuperou e hoje é o partido com maior apoio, chegando a cerca de 20% segundo a última pesquisa. E o presidente Lula eles não conseguem destruir. Eles começaram a fazer pesquisas no início de 2017, quando estava presente o efeito da eleição de 2016, que foi aquela destruição, com a explosão dos outsiders. Assistimos aí também as primeiras tentativas de fazer Luciano Huck candidato com base em algo que é estarrecedor e que eu chamei de política social de auditório. Nós fazíamos política social para milhões de pessoas. O Brasil precisa de política social não para dez mil pessoas, como eram as políticas dos tucanos.
Os tucanos faziam programas-piloto para 10 mil , 20 mil pessoas e esse programa-piloto tornava-se a base da propaganda e do marketing. No Brasil, isso não faz nem cócegas. Mas os tucanos chegaram ao cúmulo de escolher uma pessoa que faz um programa de auditório, onde conserta carros, reforma casas ou arranja casa para algumas famílias. Estamos falando de um programa de auditório. Ou seja, há uma desagregação política também nas hostes que pensam a figura do outsider. O marketing do Dória durou quatro ou cinco meses. Depois ele desapareceu. Creio que esse fenômeno do outsider faz parte do arquétipo da Globo. A Globo acha que, como fez com o Collor, pode criar um outsider.
Posto que não derrotaram politicamente o PT nem o presidente Lula, eles se dedicam a condená-lo e retirá-lo do processo eleitoral. A saída do Lula do processo eleitoral é algo que está na cabeça de todos eles. O cálculo político que fazem é o seguinte. Com Lula na disputa, resta uma vaga para ser disputada para ir ao segundo turno. Mas sem o Lula, sobram duas vagas. Então, podem acontecer coisas do arco da velha.
Sul21: Como o quê, por exemplo?
Dilma Rousseff: Coisas como uma intervenção federal no estado do Rio de Janeiro. Se você imaginar que a democracia tem portas, uma intervenção como esta fecha várias delas. As explicações sobre o motivo da intervenção são variadas. Uma delas é que se trata de criar uma manobra diversionista pela não aprovação da reforma da Previdência. A segunda é que se trata de caminhar para um endurecimento civil e militar. Eu não penso que a característica principal desse processo de intervenção é militar. Para mim ela é civil, usando os militares. Há uma última explicação que diz que, além disso, trata-se de viabilizar a candidatura do Temer.
Esse processo de radicalização do golpe é acompanhado pelo engessamento das instituições brasileiras. A intervenção é uma medida prevista na Constituição de 1988, mas jamais foi usada. A questão da segurança pública é gravíssima no Brasil, mas ela não pode ser tratada com a superficialidade que estamos presenciando. Penso que há uma relação entre o que vinha ocorrendo, com a perda completa de importância do governo Temer e o caráter caótico absurdo dessa gestão, e a tentativa de um sobre-fôlego. Mas não creio que o que dá margem a isso seja a falência do governo Temer. O que dá margem para eles pensarem numa intervenção federal deste tipo é o TRF4 retirar o Lula do processo eleitoral, o que dá ao governo Temer a esperança de um certo fôlego para alcançar duas coisas. A primeira é a possibilidade de apresentar uma candidatura que defenda o seu legado, colocando a segurança pública no centro das atenções. Mas não é só isso. Mesmo que não seja ele o candidato, ele quer negociar a imunidade pós-2018. Esses dois objetivos estão relacionados à retirada de Lula da disputa eleitoral. Eles contam como certo que o Lula saiu da pauta. A presença de Lula inviabiliza esse tipo de projeto.
Há um problema sério em meio a tudo isso que é o caráter do problema da segurança pública no Brasil. Esse problema está relacionado a várias coisas, algumas delas de caráter internacional como o tráfico de drogas, o tráfico de armas, as redes de lavagem de dinheiro. Outro fator que se agravou nos últimos tempos é a deterioração do Estado e das políticas sociais. Os salários estão atrasados. Os investimentos e os gastos de custeio na área da segurança foram cortados. Eu acredito que o que eles vão fazer com a intervenção no Rio são, essencialmente, ações de curto prazo. Essa intervenção tem um objetivo de curto prazo e ele não é resolver o problema da segurança no país. Esse objetivo é criar as condições para melhorar o clima para o governo até a eleição de 2018. Assim, uma questão fundamental para a população brasileira está sendo tratada de uma forma extremamente oportunista, tentando viabilizar os últimos meses de um governo falido e fracassado.
Por isso, não é o crime organizado que essa operação mira, mas sim o crime desorganizado. Ela não vai desmontar as redes de tráfico de drogas e de armas. Para tanto, são necessárias várias ações para além da intervenção no Rio de Janeiro. Todas as experiências de intervenção militar junto ao crime organizado nos últimos anos, especialmente aquelas financiadas pelos Estados Unidos, não deram certo. O Plano Colômbia é um exemplo disso. O México é outro. Felipe Calderón foi eleito prometendo que iria acabar com o crime organizado no México e utiliza o Exército na repressão. Milhares de pessoas foram mortas e o problema não foi resolvido.
O mais grave no caso da intervenção no Rio é o que começou a circular nos últimos dias, como a proposta dos mandados de busca e apreensão e de captura coletivos. Só a verbalização da hipótese mostra a deterioração e o apodrecimento do ambiente político institucional do país. É óbvio que isso é ilegal e afronta a Constituição. Essa deterioração é a mais grave de todas, pois mostra um caráter autoritário presente nas ditaduras tradicionais. Estão dando um passo além do ponto em que estavam até então.
Eu concordo com o Pedro Serrano que é típico da Justiça destes momentos de exceção criar a justiça do inimigo. E este inimigo, no caso do Brasil é o negro pobre que mora na periferia. Quem é o inimigo? É a população brasileira que tem que ser reprimida por essa intervenção federal? Pelas declarações de integrantes do governo vê-se uma coisa surgindo claramente: o inimigo fala português, é brasileiro, negro e pobre ou mulato. Ele não é branco, não mora em Ipanema nem no Leblon. O que estamos vendo surgir no Brasil é uma ditadura feita para uma parte da sociedade. Você suspende os direitos desta parte e cria uma situação de profunda anomia no país. Qual é o passo seguinte? Qualquer enfrentamento que houver pode levar à expansão dessas áreas sem lei e sem ordem para outras áreas do território nacional. Estamos diante, portanto, de uma situação muito perigosa. O mais grave na intervenção no Rio é tratar a população brasileira como inimigo. A decorrência de ocupar território é tratar como inimigo quem vive nele.
Sul21: Considerando a sua avaliação, essa intervenção no Rio como uma medida de curto prazo do governo Temer para tentar sobreviver até a eleição de 2018 e para além dela, pode transbordar e ter efeitos ainda mais graves do ponto de vista do futuro da democracia no país?
Dilma Rousseff: Pode, sim. Quando se abre um processo desse tipo, você não sabe para onde ele vai. A gente já sabia que não há por parte deste governo qualquer compromisso com a democracia. Mas eu não imaginava que fosse tanta falta de compromisso. Não tem compromisso com o patrimônio nacional e com a soberania do país. Não tem compromisso com os direitos sociais dos trabalhadores e das próprias classes médias .
Sul21: Neste cenário, qual deve ser, na sua opinião, a estratégia para enfrentar a tentativa de retirar o ex-presidente Lula da disputa eleitoral deste ano?
Dilma Rousseff: Qualquer coisa que fizerem com Lula daqui para frente terá efeitos políticos. De um lado, vão tentar encarcerá-lo. Essa tentativa contraria a Constituição e a legislação. Nós vamos lutar juridicamente contra ela e seguir fazendo o que estamos fazendo, indo para as ruas com as caravanas. Aliás, aqui no Rio Grande do Sul haverá uma caravana a partir do dia 19 de março. Nós não aceitamos de maneira alguma nenhuma discussão sobre Plano B. Uma discussão desse tipo significaria nós resolvermos para eles uma situação e um conflito que não foi criado por nós. É tudo o que eles querem. Você lembra que no meu impeachment eles queriam que eu renunciasse? Você diz para a vítima: renuncie e fica tudo bem.
Agora, dizem para nós: vocês precisam ter um plano B, algo novo. Eu acho o novo a coisa mais fantástica do mundo. Mais fantástico ainda é o Fernando Henrique, todo dia, puxando um candidato novo da cartola. Eu não acredito que eles vão resolver a crise no Brasil da forma como supõem. Eles supõem que haverá uma paz de cemitério no país. Acho muito difícil hoje ter uma paz de cemitério no Brasil. Eles vão tentar transformar as eleições em algo insípido, inodoro e incolor. Pode ter até só 30% de votos. Isso não importa para eles. E ainda há outra hipótese que não deve ser descartada, que seria o adiamento das eleições. Já tentaram o semipresidencialismo e eu não descarto que estejam pensando nesta hipótese do adiamento. Seria algo muito radical, mesmo na atual conjuntura. Não sei se eles têm acordo suficiente para isso.
Sul21: Há um debate sendo feito entre alguns setores da esquerda relacionado ao possível afastamento de Lula do processo eleitoral. A polêmica é seguida: se Lula for impedido de concorrer deve-se ou não participar das eleições? O que pensa sobre esse tema?
Dilma Rousseff: A minha posição é que nós vamos resistir até o fim em duas dimensões. Uma é defender a candidatura do Lula. A outra é defender a realização das eleições. Essas duas dimensões são duas faces de uma mesma moeda. Impedir a candidatura do Lula ou adiar as eleições é problema deles. O nosso é ter a candidatura do Lula e ter eleição. No Brasil, sempre que houve democracia nós ganhamos. Sempre que os processos democráticos são contidos nós perdemos. A eleição é o momento em que toda essa questão política, social e econômica do Brasil vai se condensar. Só tem um jeito de eles evitarem isso que é fechando o país. É isso que tem que ficar cada vez mais claro. A arma deles é fechar o país, a nossa é abri-lo. Há certas questões que são falsos conflitos, falsos problemas. Essa questão é um delas.
Sul21: Uma casca de banana…
Dilma Rousseff: É. Em 64 ocorreu o golpe militar. Em 65, dois estados tiveram eleição para governador, Minas Gerais e Rio de Janeiro. A esquerda que não estava organizada no Partidão teve várias posições. Eu lembro de uma delas direitinho. Até hoje lembro a palavra de ordem: “Anule seu voto. Abaixo a farsa eleitoral”. A gente pichava isso nas ruas. Quem fosse pego, ia em cana. Ou seja, nem a esquerda bem radical da época falava “não faça eleição”, mas sim “anule o seu voto”. Ao menos era pra ir votar. Isso que já tinha ocorrido o golpe, o AI-1 e o A1-2.
Sul21: Como está a questão de uma possível candidatura sua nas eleições deste ano? Como está pensando esse tema, se é que está pensando?
Dilma Rousseff: Eu, na verdade, não estou pensando. Sempre digo que não preciso ser candidata para fazer política. Eu participei da eleição mais importante no Brasil, não que alguma não tenha importância. Cada uma tem a sua mas, inequivocamente, a eleição presidencial é a mais importante, inclusive pela quantidade de brasileiros e brasileiras que participam dela. Eu fico muito em dúvida de concorrer em outra eleição e não tenho experiência na área parlamentar. Não é minha área. E não tem sentido eu ter outro nível de atividade executiva. Tenho muita dúvida ainda e não posso dizer nada em definitivo.