Por Nathan Camelo- Sindipetro CE/PI

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Por quase seis décadas, a Refinaria Lubnor, da Petrobras, integra a paisagem industrial de Fortaleza. Localizada no Complexo do Porto do Mucuripe, a unidade hoje está no centro de uma disputa que ultrapassa os limites da economia e da engenharia: a sua permanência ou não no território tornou-se tema decisivo na revisão do Plano Diretor Participativo e Sustentável da capital cearense.

De um lado, pesa a importância econômica da refinaria, responsável por cifras expressivas para os cofres públicos e por cerca de 600 de empregos diretos e outras centenas de indiretos. De outro, cresce o debate sobre sua adequação à agenda ambiental global, a pressão da especulação imobiliária e a vulnerabilidade das comunidades costeiras vizinhas. O que poderia ser uma decisão técnica se transformou em um embate social, ambiental e político, cujo desfecho pode redesenhar parte significativa do futuro de Fortaleza.


Lubnor em números: o peso econômico e estratégico

A Lubnor é a única produtora de lubrificantes naftênicos do Brasil, atendendo cerca de 40% da demanda nacional. Também fornece 38% do asfalto consumido no Nordeste, tornando-se peça estratégica em obras de infraestrutura e mobilidade urbana.

Com capacidade de processar 10,4 mil barris de petróleo por dia, a unidade mantém em funcionamento uma cadeia de aproximadamente 900 trabalhadores, entre empregados próprios e contratados. Em 2024, a contribuição da Petrobras no Ceará representou 18,4% de toda a arrecadação de ICMS estadual, equivalente a R$ 2,2 bilhões. A estimativa é de que esse valor seja superado neste ano.

Além da relevância fiscal e produtiva, há um diferencial logístico: a operação utiliza dutos e navios, reduzindo a circulação de carretas no tráfego urbano. O histórico de quase 60 anos de atividade sem registros de acidentes que afetassem comunidades vizinhas é frequentemente usado como argumento em defesa da segurança da refinaria.


Transição energética: promessa de uma refinaria carbono neutro

A Petrobras aposta em um projeto ousado: transformar a Lubnor na primeira refinaria carbono neutro da companhia. O plano prevê ampliar a participação de produtos não carburantes para mais de 78% e utilizar certificados de energia renovável — solar e eólica — além de biometano produzido no próprio Ceará, para neutralizar emissões de CO₂.

Na visão de especialistas, trata-se de um movimento estratégico para manter a refinaria alinhada às pressões da agenda climática global. Mas também um desafio. O sucesso depende não apenas da compra de créditos de energia limpa, mas da capacidade de reduzir emissões diretas, investir em inovação industrial e desenvolver mercados consumidores para novos produtos, como lubrificantes verdes.

A vice-reitora da UFC, Diana Azevedo, considera a proposta inédita:
“O projeto de tornar a Lubnor carbono neutro é inovador até onde conhecemos. Pode reposicionar Fortaleza no mapa da transição energética”, avalia.


O Polo de Inovação Social: academia e território

Se a sustentabilidade dá a justificativa ambiental, a permanência da Lubnor ganha novo fôlego com a proposta da Universidade Estadual do Ceará (UEce) e da Universidade Federal do Ceará (UFC). As instituições apresentaram um projeto para criar o Polo de Inovação Social e Transição Energética Justa, uma iniciativa que une pesquisa tecnológica e inclusão social.

O reitor da UEce, Hidelbrando Soares, resume o espírito da proposta:
“Sabemos da importância da Lubnor naquele território, mas acreditamos que é possível fazer mais. Queremos ampliar sua responsabilidade social e enfrentar de forma efetiva a pobreza crônica que ainda marca Fortaleza”, afirma.

O Polo teria dois eixos de atuação:

  1. Inovação Tecnológica – reativação do Núcleo Experimental de Fortaleza (NUEF), antigo centro de pesquisas da Petrobras, desativado em 2020. A ideia é retomar as plantas-piloto e desenvolver rotas para a produção de lubrificantes verdes.
  2. Inovação Social – ações voltadas diretamente às Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) do entorno, incluindo um Observatório das ZEIS, incubadoras de startups e movimentos comunitários, além do Portal do Atlântico, espaço dedicado à economia do mar.

Para Soares, a proposta é ousada: “A permanência da Lubnor pode trazer um ativo novo para Fortaleza. Inovação tecnológica, sim, mas também inclusão social, para enfrentar a pobreza que ainda é tão presente em nossa cidade”.


Comunidades: o elo invisível da permanência

Seja no campo econômico ou acadêmico, nenhum argumento parece tão decisivo quanto a voz das comunidades do entorno. Para moradores do Serviluz, do Cais do Porto e do Mucuripe, a refinaria não é apenas uma indústria: é um escudo contra a especulação imobiliária.

Jander Glind, do Conselho Gestor da Serviluz, sintetiza essa percepção:
“O que ainda mantém a nossa comunidade aqui é a tancagem. O rico tem medo de morar perto dela. Nós não temos”.

A retirada da refinaria, alertam, poderia abrir caminho para remoções forçadas em regiões marcadas pela pobreza crônica. Estima-se que mais de 50 mil famílias poderiam ser afetadas. Além disso, 90% da mão de obra contratada pela refinaria é proveniente das comunidades vizinhas, consolidando um modelo de “cidade de 5 minutos”, onde morar e trabalhar no mesmo bairro é uma realidade.

Nesse sentido, a proposta da UFC e da UEce de integrar o Polo às ZEIS busca transformar a vulnerabilidade social em protagonismo territorial. Mas também depende de garantias jurídicas sólidas para evitar que a permanência da Lubnor seja apenas um adiamento do risco de remoção.


Governança, riscos e contrapartidas

Apesar das promessas, especialistas alertam para os riscos de um discurso de “transição justa” que não se traduza em resultados concretos. Entre eles, estão o greenwashing (uso de certificados sem redução real de emissões), a dependência fiscal (manutenção da refinaria como mera fonte de arrecadação) e a fragilidade da governança (falta de participação real das comunidades nas decisões).

Para que a permanência seja legitimada socialmente, analistas sugerem contrapartidas claras:

  • Metas anuais de redução de emissões, auditadas por instituições independentes.
  • Percentual obrigatório de contratação de trabalhadores e fornecedores locais.
  • Orçamento definido para o Polo de Inovação Social.
  • Instrumentos urbanísticos que blindem as ZEIS contra remoções.
  • Relatórios públicos semestrais sobre resultados ambientais, sociais e fiscais.

Sem esses mecanismos, o risco é de que a Lubnor permaneça em Fortaleza apenas com promessas de transformação, sem entregar os benefícios anunciados.


O futuro em disputa

O debate sobre a Lubnor é, em essência, um espelho das escolhas que Fortaleza terá de fazer nos próximos anos: priorizar a especulação imobiliária ou a permanência de uma indústria adaptada à transição energética; apostar em modelos de inovação social capazes de enfrentar desigualdades históricas ou deixar que essas áreas sigam vulneráveis ao mercado.

Seja qual for o desfecho, uma coisa é certa: a decisão sobre a Lubnor ultrapassa os muros da refinaria. Ela representa um teste sobre a capacidade de Fortaleza de combinar desenvolvimento econômico, sustentabilidade e justiça social em um mesmo território.