Da FUP

No Brasil, iniciativas contra coronavírus só aconteceram após sequência de fatos desastrosos e cobrança dos trabalhadores

A Petrobrás iniciou, recentemente, a distribuição de combustível para abastecer ambulâncias e veículos de transporte de médicos e hospitais vinculados às secretarias estaduais de saúde de todo o Brasil. As doações de combustível fazem parte de um pacote de ações de responsabilidade social da companhia, altamente valorizadas nas divulgações internas e externas, assim como a doação de equipamentos de proteção, testes diagnósticos e produtos de higiene. Decisões acertadas, mas se engana quem vê isso como uma iniciativa filantrópica. O Estado brasileiro, com estatais fortes, tem o papel de dar garantia para aqueles que mais precisam. Iniciativas desta envergadura têm sido feitas por petrolíferas no mundo inteiro. Mas, pelo menos aqui, no Brasil, só aconteceu após uma sequência de fatos desastrosos e uma cobrança consistente da classe trabalhadora. 

A doação de combustível para a área de saúde em auxílio ao combate à covid-19 foi anunciada apenas em maio e iniciada ainda mais tarde, em junho, a despeito dos estoques abarrotados e das sugestões de representantes dos trabalhadores para que a empresa o fizesse já em março, como várias petrolíferas no mundo, estatais e privadas, têm feito.

Os estoques de combustíveis da Petrobrás foram reforçados quando da greve nacional dos petroleiros, deflagrada em primeiro de fevereiro e encerrada no dia 20. Logo a seguir, entraram em cena a queda da demanda de combustíveis (externa e interna), em função da pandemia da covid-19, a queda no preço do barril e a grande crise no setor.

A direção da empresa decidiu, então, reduzir drasticamente a produção de combustíveis nas refinarias, acarretando na redução da produção do gás de cozinha (GLP), cuja demanda cresceu com o isolamento social.

Retomada a produção para abastecer o mercado interno de GLP e com estoques abarrotados, a direção da empresa, na última semana de abril, preferiu leiloar gasolina e diesel, vendendo mais barato que o preço de mercado, ao invés de doar ao setor de saúde do país. E no início de maio, foi à busca de tanques para armazenar seus excedentes de combustíveis, recorrendo às distribuidoras do país. Vale lembrar que a atual diretoria vendeu o controle acionário da BR em 2019.

Somente depois desse leilão, divulgou orgulhosamente a doação para a área da saúde, que vem enfrentando um colapso em meio à maior crise sanitária dos últimos tempos no país. Essa sequência de ações evidencia que a atual direção da empresa relegou novamente seu real papel para com a sociedade brasileira, seu acionista majoritário.

Outras medidas e números imprecisos

Os números reais envolvendo casos de covid-19 na indústria de óleo e gás no Brasil e no mundo são invariavelmente uma grande incógnita. A falta de informações sobre o número de casos suspeitos e confirmados, bem como dos óbitos de funcionários das petroleiras impossibilita a análise e comparação entre elas.

As empresas se empenham em divulgar suas louváveis ações de auxílio à sociedade, das quais listaremos algumas aqui, mas as efetivas ações de controle e prevenção em seus próprios ambientes nem sempre são claras, precisas e confiáveis. Sendo assim, não é possível analisar e comparar esses dados entre as majors, as grandes estatais e a Petrobrás.

As medidas preventivas e protetivas mais efetivas e eficazes, principalmente para com os trabalhadores das áreas operacionais, só foram tomadas após incansáveis solicitações dos representantes dos trabalhadores através dos sindicatos e associações. Casos de contaminação em refinarias e instalações offshore se espalharam rapidamente, já sendo registrados óbitos de trabalhadores terceirizados, lembrando que em muitos desses ambientes é impossível manter isolamento e distanciamento.

As embarcações, sondas e plataformas, por exemplo, são locais restritos onde se compartilham ambientes fechados com ar condicionado, banheiros, dormitórios, refeitórios, salas de controle, etc., havendo muitos registros de desembarques por adoecimento devido à covid-19, e também desembarques por surto psicológico. A responsabilidade e o cuidado com os trabalhadores dos ambientes confinados deveriam ser extremos desde o início da pandemia no país.

As medidas de resiliência anunciadas durante a pandemia para a alta gestão e demais funções gratificadas “cortam” 30% da remuneração, corte este que será devolvido assim que a situação se estabilizar, não havendo perda real. Já os trabalhadores do administrativo sem função gratificada tiveram redução real de jornada e salário em 25% sem reposição posterior.  Os trabalhadores embarcados por sua vez, tiveram jornada estendida, prolongando seu já alto nível de stress. Muitas dessas medidas ferem o Acordo Coletivo de Trabalho, alterando regimes, reduzindo remunerações, retirando direitos, atacando o plano de saúde, entre outras, obedecendo a estratégia da “passagem da boiada” durante a pandemia, explicitada em reunião ministerial recentemente divulgada na imprensa.

Os números de casos suspeitos, confirmados e de óbitos, como regra na indústria do petróleo, são uma incógnita para os petroleiros próprios e insondáveis para os terceirizados e do setor privado, oficialmente invisíveis nessas dramáticas estatísticas. No entanto, a informação oficial sobre os casos de covid-19 na Petrobrás é divulgada pelo Ministério de Minas e Energia, através de seu “Boletim de Monitoramento da covid-19”, que registra, de forma não precisa, um total de 873 trabalhadores adoecidos pela covid-19 até primeiro de junho, dos quais 656 se recuperaram e 217 se encontram em recuperação e quarentena.

Cabe à ANP controlar, consolidar e divulgar os casos da covid-19 na indústria do petróleo no país, mas encontrar esses dados no site da Agência é se empenhar em uma missão impossível.

A informação oficial, e confiável, é muito importante para todos. E, no caso, principalmente para os trabalhadores do setor e suas representações. Somente esta transparência permitirá que se conheçam os casos e os riscos reais a que estão expostos ao se dirigirem ao seu trabalho, que é essencial para a sociedade, assim como a transparência é obrigatória a qualquer administração.

A seguir, ações de Responsabilidade Social das principais petroleiras:

CHEVRON

  • Doações diretas a bancos de alimentos, educação e serviços de saúde ultrapassando US$12 milhões.

EXXON-MOBIL

  • Doações de refeições, a bancos de alimentos, investimentos em tecnologia e conectividade (educação online) e parceria para fabricação de máscaras e protetores faciais.

REPSOL

  • Adaptação nas instalações do Repsol Technology Lab, para produzir álcool em gel e doar a hospitais públicos de Madri. Doação de roupas de proteção, máscaras, vestidos e óculos para outros centros hospitalares da Espanha e fornecimento de lanches gratuitos para transportadores, serviços de emergência e saúde e para as forças armadas e de segurança.

BP

SHELL

TOTAL

  • Doações de cupons de combustível no valor de US$ 54,39 milhões a hospitais em toda a França. 

SINOPEC

  • Doações: gás ao hospital improvisado de Leishenshan; US$ 7 milhões e 200 toneladas de desinfetante para Wuhan; produção e doação de mais de 1 milhão de máscaras (diária); mais de 10 mil toneladas de desinfetante à Itália, França, Tailândia, Austrália, Nova Zelândia e Vietnã; 10 mil mascaras ao Siri Lanka; plataforma de pagamento online nos postos de combustível sem contato com frentista.

CNOOC

  • Doações: US$ 7 milhões, 18.000 litros de diesel e 700 toneladas de desinfetante para as áreas atingidas por COVID-19; produção e doação diária de até 600 mil máscaras descartáveis; 

CNPC

  • Doações: US$ 7,14 milhões a Hubei e US$ 2,8 milhões em gás natural a 39 hospitais. 
  • Modificação de fábricas petroquímicas para produção de 1,5 milhões de máscaras diariamente; programa intitulado de “anjos de branco” – desconto no preço do combustível aos profissionais da saúde em seus postos de gasolina; plataforma de pagamento online nos postos de combustível sem contato com frentista.

Petrobrás

  • Doações de testes de diagnóstico, equipamentos de segurança e produtos de higiene; 3 milhões de litros de combustíveis para secretarias estaduais de saúde. Ações nas “frentes tecnológicas” lideradas pelo Centro de Pesquisa (CENPES) através de convênios com Universidades, empresas e Instituições de Pesquisa e disponibilização de laboratórios, técnicos e de 3 “supercomputadores”

 

por Rosangela Buzanelli Torres,  engenheira geóloga formada pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e tem mestrado em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Trabalha há 33 anos na Petrobras. Em breve, assumirá o mandato no Conselho de Administração (CA) da companhia, como representante dos trabalhadores, a fim de defender uma Petrobras pública, forte, integrada e que valorize seus funcionários.

Publicado originalmente no Opera Mundi UOL

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Legenda: Números reais envolvendo casos de covid-19 na indústria de óleo e gás no Brasil e no mundo são invariavelmente uma grande incógnita
 
Última modificação em Sexta, 12 Junho 2020 13:37