O debate sobre a regulamentação da terceirização não é novo. Existem diversos estudos, projetos de lei e, mesmo, toda uma legislação em vigor que trata dessa matéria. Presentemente tramita na câmara dos deputados um projeto de lei versando sobre a terceirização que está sendo duramente combatido pelo movimento sindical. Trata-se do PL 4330/2004 de autoria do deputado Sandro Mabel do PMDB. Esse PL pretende regulamentar a terceirização e, por outro lado, desregulamentar quase que toda a legislação trabalhista conquistada a duras penas durante anos e anos de lutas. Para contribuir sobre o debate do significado e dos danos causados pela terceirização para os trabalhadores resolvi escrever esse artigo sobre alguns aspectos da terceirização na Petrobras.

A Petrobrás tem 78 mil trabalhadores próprios e tem aproximadamente 400 mil trabalhadores terceirizados em todo o país. No Rio Grande do Norte esse número é de aproximadamente 2,5 mil trabalhadores próprios, contra aproximados 9 mil terceirizados. Destes, cerca de 4 mil estão em postos de trabalho permanentes e atividades-fim, ou seja, são postos de trabalho que deveriam ser preenchidos através de concurso público. Esses números já foram bem maiores, mas em virtude da desmobilização que a Petrobras está promovendo em áreas terrestres, houve uma redução no número de trabalhadores próprios que estão sendo transferidos e terceirizados que estão sendo demitidos.

Mas, a verdade é que a Petrobras vem, ao longo dos anos, terceirizando atividades permitidas pela legislação, quais sejam, serviços especiais – considerados atividades-meio -, serviços de vigilância, serviços de hotelaria, asseio e conservação e serviços temporários, mas, também, terceiriza atividades que a legislação não permite porque são consideradas como essenciais e definidoras da sua essência produtiva, as chamadas atividades-fim, que são a pesquisa, exploração e produção de petróleo e gás, e, atividades permanentes como manutenção, apoio administrativo e apoio logístico. Além disso existe, também, a chamada quarteirização que é a terceirização da terceirização e a contratação de pseudo-cooperativas que fornecem serviços e mão de obra.

Nesses contratos de terceirização os direitos e benefícios são reduzidos; as condições de trabalho e salários estão em desacordo com o que a Petrobrás pratica para os seus trabalhadores próprios. O treinamento para qualificação profissional é, quase sempre, ineficaz e, portanto, insuficiente, e de qualidade duvidosa como, por exemplo, na questão da segurança que tem submetido os trabalhadores terceirizados às condições de trabalho cada vez mais inseguras, sendo, por isso mesmo, as maiores vítimas dos acidentes de trabalho com mutilações e mortes.

A prática da multifunção é outro expediente bastante utilizado e são comuns os casos de assédio e violência moral e, inclusive, outros tipos de assédio; atrasos de salários; não pagamento de férias nos prazos estabelecidos; não pagamento de horas extras ou pagamento com supressão de horas; demissões imotivadas e, com muita frequência, calotes em trabalhadores e fornecedores. Muitos trabalhadores recorrem à greves e à justiça do trabalho para receber salários atrasados e verbas rescisórias. Outros precisam recorrer ao Sindicato ou a justiça do trabalho para ter a doença ocupacional ou o acidente de trabalho reconhecido.

Os sindicatos e o próprio direito à sindicalização têm sido constantemente atacados porque as empresas utilizam de práticas antisíndicais e, em muitos casos, escolhem o sindicato com uma convenção ou acordo coletivo de trabalho que melhor lhes convém. O objetivo é poder participar das licitações em condições mais “competitivas” em função de menores custos devido salários, adicionais e benefícios rebaixados e discriminados. Os regimes e jornadas de trabalho nas empresas terceiras também são diferentes dos praticados pela Petrobras que utiliza 40 horas semanais para o administrativo e regime especial de campo, sobreaviso e turno ininterrupto de revezamento com jornada de 12 horas e 1,5 dia de folga para cada 1 dia trabalhado, mas para os trabalhadores terceirizados as condições de trabalho e salários não é bem assim, como podemos ver mais abaixo.

Regime Administrativo em áreas Rurais ou Urbanas Jornada semanal de trabalho para o pessoal administrativo de 44 horas

Opcionalmente, ou por exigência da Petrobrás, algumas empresas terceirizadas adotam a jornada de 40 (quarenta) horas semanais, segundo a sua prática, com 08 (oito) horas diárias ou 8 (oito) horas e 48 (quarenta e oito) minutos no caso de 44 (quarenta e quatro) horas semanais com intervalo para alimentação e descanso e duas folgas semanais.

Regime de Sobreaviso em terra ou mar – 14 X 14

Regime de Trabalho de Sobreaviso, estabelecido pela Lei 5.811/72, que estipula que os trabalhadores desenvolvam as atividades de exploração, perfuração, produção ou transporte de petróleo e/ou gás, bem como aqueles engajados em serviços de geologia de poço ou de apoio às atividades de exploração, perfuração, produção ou transporte de petróleo e/ou gás trabalhem uma jornada de 12 (doze) horas por dia, consecutivas ou não, quando embarcados com 01 (uma) hora para alimentação e repouso e 01 (um) dia de folga para cada dia embarcado.

Regime de Trabalho de Turno Ininterrupto de Revezamento em terra ou mar – 14 X 14

Neste caso, trabalhadores que executam serviços em áreas que necessitem funcionar 24 (vinte e quatro) horas, para garantir a normalidade das operações terrestres. Novamente é aplicado o regime de revezamento previsto da Lei 5.811/72, que estipula que as atividades de exploração, perfuração, produção ou transporte de petróleo e/ou gás, bem como aqueles engajados em serviços de geologia de poço ou de apoio às atividades de exploração, perfuração, produção ou transporte de petróleo e/ou gás, os quais deverão cumprir jornada máxima de 12 (doze) horas por dia, com direito a gozar 01 (um) dia de folga para cada dia embarcado em plataforma ou em áreas terrestres remotas.

Regime de Trabalho Misto

Para os trabalhadores que exercem suas atividades em áreas terrestres remotas e no mar, existe o regime misto, ou seja, sempre que houver necessidade de deslocar pessoal para trabalhos nesses regimes de embarque, são adotados um regime de trabalho misto e/ou sobreaviso quando é o caso.

Regime de Trabalho de Turno Ininterrupto de Revezamento em terra ou mar – 14 X 21

A grande maioria é Turno Ininterrupto de Revezamento de 12 (doze) horas, com atuação de 4 (quatro) grupos de turnos, com jornada de 12 horas diárias com uma relação trabalho x folga de 01 (um) dia embarcado por 1 (um) dia de repouso remunerado. Algumas poucas empresas terceirizadas adota o Regime de Turno Ininterrupto de Revezamento de 12 (doze) horas, com atuação de 05 (cinco) grupos de turnos, com jornada de 12 horas diárias com uma relação trabalho x folga de 01 (um) dia embarcado por 1,5 (um e meio) dias de repouso remunerado.

Salários, remuneração e benefícios

De um modo geral os salários e demais benefícios pagos aos trabalhadores e trabalhadoras terceirizados são bem inferiores aos que são pagos pela Petrobrás, muito embora, os trabalhadores destas estejam ocupando milhares de cargos que antes eram ocupados por empregados próprios da Petrobras.

Porém, a Lei do Trabalho Temporário, nº 6.019/74, determina que, mesmo na hipótese da terceirização por ela regulada, fica garantida ao trabalhador terceirizado “remuneração equivalente à percebida pelos empregados da mesma categoria da empresa tomadora…”. Por analogia, essa isonomia se aplicaria a todas as hipóteses de terceirização. Isso nãoocorre e estamos diante de um caso flagrante de discriminação e aviltamento dos salários dos trabalhadores que na grande maioria dos casos recebe menos de 50% dos salários pagos pela Petrobras aos seus trabalhadores próprios, ou seja, o trabalho é igual, mas os salários, direitos e benefícios não são.

A terceirização e a legislação

A legislação sobre licitação é relativamente ampla e seus conceitos estão intimamente ligados. Existem diversos critérios que podem ser adotados, desde que devidamente explicitados no edital ou convite, como por exemplo, menor preço, melhor preço, melhor técnica, melhor técnica e preço.

Da mesma forma a legislação constitucional, trabalhista, civil têm mecanismos de proteção ao trabalho terceirizado e definem de forma clara os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras dessa atividade. Além disso, existem as convenções e acordos coletivos de trabalho que complementam e até avançam em muitas questões do interesse dos trabalhadores e trabalhadoras, bem como, julgados trabalhistas e relatórios sobre o assunto como veremos a seguir:

a) Decreto Lei nº 200/67 – Permitiu a terceirização na administração pública direta e indireta;

b) Lei 5.645/70 – Definiu os serviços que poderiam ser contratados pela administração federal

c) Decreto no 2.271/97 – Regulamentou a forma de contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta,

autárquica e fundacional;

d) Enunciado 256 do TST – Declarou ilegal a terceirização, salvo nos casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância;

e) Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT): art. 9º, art. 455, art. 513, art. 581;

f) Lei 6.494/77 – Regulamenta serviços de estagiários;

g) Lei nº 6019/74 – Regulamenta o trabalho temporário;

h) Lei nº 7.102/83 – Regulamenta os serviços de vigilância;

i) Lei nº 5.764/71 – Estatuto do Cooperativismo;

j) Lei 8949/94 – Criou as Cooperativas profissionais ou de prestação de serviços;

k) Súmula do TST 331/93 – Ampliou as possibilidades da terceirização para as áreas de manutenção, asseio, conservação, hotelaria, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio da empresa contratante, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta e estabeleceu limites com relação a atividade-fim das empresas (art. 2º da CLT);

l) Artigos 593 a 626 do Código Civil – Trata da empreitada;

m) Decreto n. 2.271/97 – Regulamentou a forma de contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional;

n) Lei nº 8.666/93 – Lei das Licitações com base no menor preço;

o) Decisão 1465/02 do TCU – Determinou o fim da terceirização nas atividades-fim em Furnas Centrais Elétricas S.A;

p) Decreto Lei nº 2.745/98 – Processo Licitatório Simplificado paa aquisição de bens e serviço (Facilita processos de licitação com base no melhor preço);

q) Relatório de Auditoria TC 023.627/2007-5 – Emitido pelo Tribunal de Contas da União determinando o fim das terceirizações nas atividades-fim das empresas estatais e outros órgãos governamentais;

Apesar de toda essa legislação a Petrobrás, ao que parece só se interessa em utilizar o critério do menor preço para contratar serviços terceirizados e, apenas, quando lhe convém utiliza o critério do melhor preço. Por outro lado, a Constituição Federal, CLT, Código Civil, Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho, enfim, tudo isso é sempre minimizado pela Petrobrás que sempre se limita a dizer que contrata serviços e que não pode avançar nas questões relativas aos direitos trabalhistas e sociais. O resultado desse modelo é muito desrespeito a legislação trabalhista e a precarização cada vez maior das relações de trabalho.

A Petrobrás, suas coligadas e subsidiárias mantém Acordo Coletivo de Trabalho com a Federação Única dos Petroleiros (FUP), com a Frente Nacional dos Petroleiros (FNP) que representam os Sindipetro´s de todo o País, com cláusulas que visam ao aperfeiçoamento das relações de trabalho terceirizados; fiscalização e gerenciamento desses contratos; e de mecanismos internos para auditar e monitorar o cumprimento da legislação trabalhista, previdenciária e tributária por parte das empresas contratadas, mas, na prática, a terceirização segue celeremente dizimando os direitos dos trabalhadores.

Por sua vez, a alta cúpula da Petrobrás não busca – e nem quer – aperfeiçoar esses mecanismos e, nem tão pouco, quer aperfeiçoar a legislação aplicável à contratação de mão-de-obra e serviços através de licitações porque da forma como está, atende aos seus interesses.

Na verdade, a Petrobrás utiliza a terceirização de forma licita, mas também de forma ilícita para reduzir custos com direitos, salários e benefícios; atacar o movimento sindical com práticas antissindicais e, burlar a Constituição Federal quando não realiza concurso público para preenchimento de vagas como apontou o Tribunal de Contas da União no relatório de auditoria n TC 023.627/2007-5, publicado recentemente.

Por outro lado, é preocupante que existam projetos de lei, como é o caso desse PL 4330/2004 com o suposto objetivo de “regulamentar” a terceirização. Ora, não é por falta de leis, acordos e convenções coletivas de trabalho que os direitos dos trabalhadores são desrespeitados e se tivesse que ser adotada mais uma lei com esse objetivo deveria ser no sentido de que a terceirização prevista na lei deveria ser nos marcos da legislação constitucional, trabalhista e civil vigente e, que deveria cumprir o acordo e/ou convenção coletiva de trabalho da categoria profissional dos trabalhadores e trabalhadoras da empresa contratante.

Por fim, apelamos aos parlamentares que retirem de pauta o PL 4330/2004, pois esse PL vai no sentido da “regulamentação” da terceirização desenfreada de todas as atividades das empresas, ou seja, é a desregulamentação da CLT, acordos e convenções coletivas de trabalho e consequentemente promoverá o avanço da precarização do trabalho como jamais visto. É necessário, portanto que seja estabelecido o debate com os representantes dos trabalhadores sobre a formulação de uma legislação da terceirização que leve em consideração a CLT, demais dispositivos legais, estudos existentes sobre o tema como, também, acordos e convenções coletivas de trabalho.

*Marcio Dias, 52, é sociólogo, sindicalista, atual Secretario Geral do SINDIPETRO-RN e militante do Partido Comunista do Brasil

– PCdoB.  http://www.facebook.com/marcio.azevedo.dias

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