Marcelo Calazans é sociólogo, coordenador da FASE-ES (Programa Regional da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) e membro da Rede Alerta contra o Deserto Verde e da Rede Latino-Americana contra Monocultivo de Árvores.

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A 11ª Rodada de licitações para exploração de petróleo em blocos de terra e mar, que ocorreu no dia 14-05-2013, “reabre de forma voraz, sob ritmo acelerado e sem limite, o ciclo de injustiça ambiental implicado na expansão do modelo energético e societário estimulado pelo governo, em pacto com as gigantescas corporações petroleiras e seus complexos associados, interessados na exploração de um valiosíssimo bem comum, que é o petróleo”, avalia Marcelo Calazans em entrevista concedida à Revista Eletrônica do Instituto Humanitas Unisinos, IHU On-Line, por e-mail.

A BP (British Petroleum), Total, Petrogal e a Petrobras compraram os “cobiçados blocos” na bacia sedimentar do Amazonas até o Rio Grande do Norte, uma área com a sociobiodiveridade pouco conhecida. “Já imaginou a quantidade de dutos e instalações de armazenamento, caminhões-tanque que vão operar em terra, conectados aos poços off-shore? Nem sequer existe um mapeamento detalhado do que há nestes territórios que serão diretamente afetados: áreas de restinga, lençóis, matas de transição, bacias hídricas, além das comunidades pesqueiras e litorâneas, bem como as que se situam quilômetros terra adentro”, adverte. Segundo o sociólogo, no Espírito Santo “a exploração dos blocos comprados pela gigante norueguesa Stat Oil vai acelerar a redução dos territórios da pesca artesanal, impedindo o acesso de pescadores às rotas do pescado, afetando diretamente o trabalho e a segurança alimentar de dezenas de milhares de homens e mulheres que vivem da pesca e dos mariscos, além de ameaçar diretamente uma área de excepcional valor na costa capixaba, o recife de Abrolhos, área da Baleia Jubarte”.

Na avaliação dele, a exploração de petróleo no Brasil está cada vez mais “primarizada, focada na exploração de recursos in natura ou, no máximo, na produção de semielaborados”, reiterando a “agenda econômica inflexível, e uma agenda social frágil e compensatória”.

Confira a entrevista:

Que avaliação faz da 11ª Rodada de Licitação da Agência Nacional do Petróleo – ANP?

A 11ª Rodada da ANP reabre de forma voraz, sob ritmo acelerado e sem limite, o ciclo de injustiça ambiental implicado na expansão do modelo energético e societário estimulado pelo governo, em pacto com as gigantescas corporações petroleiras e seus complexos associados, interessados na exploração de um valiosíssimo bem comum, que é o petróleo.

O alcance da 11ª Rodada é vasto, articulando-se conjunturalmente com a desconstrução dos códigos Mineral e Florestal, com a gestão portuária, rodoviária e ferroviária, com a expansão da sociedade do automóvel, dos ansiolíticos e dos agrotóxicos. Burocracia estatal e políticos corruptos, petroleiras nacionais e estrangeiras, siderúrgicas, mineradoras são os mais interessados na exploração rápida e a todo risco do petróleo do subsolo. Por outro lado, a 11ª Rodada já expõe suas zonas de sacrifício: assentamentos de reforma agrária, territórios tradicionais indígenas e quilombolas, camponeses e de pescadores artesanais, bem como áreas de preservação na terra e no mar, a mobilidade urbana e a segurança alimentar.

Quais foram as empesas que participaram da 11ª Rodada de Licitações e adquiriram os 170 blocos que estão em bacias situadas na margem equatorial?

BP (British Petroleum), Total, Petrogal e Petrobras compraram os cobiçados blocos na bacia sedimentar do Amazonas até o Rio Grande do Norte, uma área de imensa e não ao todo conhecida sociobiodiversidade. Já imaginou a quantidade de dutos e instalações de armazenamento, caminhões-tanque que vão operar em terra, conectados aos poços offshore? Nem sequer existe um mapeamento detalhado do que há nestes territórios que serão diretamente afetados: áreas de restinga, lençóis, matas de transição, bacias hídricas, além das comunidades pesqueiras e litorâneas, bem como as que se situam quilômetros terra adentro.

Os ambientalistas criticaram a 11ª Rodada de Licitações porque dos 289 blocos que serão ofertados 170 estarão em bacias situadas na margem equatorial, desde Rio Grande do Norte ao Amapá, e pouco se conhece dessa região. O que se conhece dessas regiões? Quais os impactos prováveis com os blocos leiloados no Espírito Santo?

No Espírito Santo, a exploração dos blocos comprados pela gigante norueguesa Stat Oil vai acelerar a redução dos territórios da pesca artesanal, impedindo o acesso de pescadores às rotas do pescado, afetando diretamente o trabalho e a segurança alimentar de dezenas de milhares de homens e mulheres que vivem da pesca e dos mariscos, além de ameaçar diretamente uma área de excepcional valor na costa capixaba, o recife de Abrolhos, área da Baleia Jubarte. Em solo, uma gigantesca infraestrutura está sendo construída, ao longo da costa capixaba, com recursos públicos do PAC, do BNDES, atraindo grande mão de obra, volátil, temporária, precarizada, afetando pequenas e médias comunidades com problemas como prostituição e violência. São vários terminais de gás e óleo, além de dutos cruzando todo o Estado, o estaleiro Jurong; em Aracruz-ES, as siderúrgicas como a Samarco e o porto em Anchieta, os terminais de logística e administrativos na região metropolitana de Vitória, a fábrica de fertilizante em Linhares.

O petróleo aciona as demais corporações de uma economia cada vez mais primarizada, focada na exploração de recursos in natura ou, no máximo, na produção de semielaborados. No Espírito Santo, o boom petroleiro aciona uma lógica perversa: mais petróleo, mais ferro, mais aço, mais fertilizante químico para o eucalipto e a cana-de-açúcar, mais greenwashing (lavagem verde) de um ambientalismo empresarial e compensatório, como do Projeto Tamar, um claro marketing verde da Petrobras. A corrupção é outro elemento intrínseco ao setor petroleiro, haja vista a quantidade de políticos, prefeitos, vereadores, gestores públicos processados pelo Ministério Público e literalmente encarcerados pela Polícia Federal por desvio de royalties e cobrança de propinas.

Caso ocorra um vazamento de óleo durante a extração de petróleo nessa região, quais os riscos de serem atingidas as unidades de conservação?

Nos casos de vazamento, sequer existe um Plano Nacional ou Estadual de Contingência! Incrível que já estamos na 11ª Rodada da ANP e até hoje sequer está em pauta a construção de um Plano de Contingência. Estamos falando de produtos altamente inflamáveis e poluentes, de enorme risco de uso, exploração, com setores produtivos cada vez mais terceirizados, onde a responsabilidade deveria ser de extrema cautela. Os trabalhadores que operam as plataformas obsoletas que estãooffshore correm enorme risco, bem como todas as comunidades que se localizam próximas da costa e ao longo dos dutos e instalações.

Uma fábrica de fertilizante, por exemplo, como a de Palhal, em Linhares, é uma bomba em potencial, tal como vimos explodir na Índia e nos EUA.

Uma exploração de alto risco, no mar, pode gerar acidentes como o da Chevron na Bacia de Santos, da BP no Golfo do México e Sul dos EUA, ou o vazamento da Petrobrás na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Onde há exploração de petróleo e gás, sempre haverá vazamento. A tecnologia jamais consegue prever in situ o que manipula artificialmente em laboratório. É uma enorme irresponsabilidade do Estado e das corporações acelerar o ritmo de exploração sem nenhum debate acumulado com a sociedade sobre o Plano de Contingência. Depois que ocorre o vazamento, no site da ANP, do Ibama, dos IEMAS e das empresas, não há nenhuma descrição mais detalhada do que houve de fato e, principalmente, não há nenhuma garantia de “não repetição”. A multa, quando aplicada, em geral, não é paga, e quando paga, não compensa quem realmente foi afetado. É um processo injusto.

Uma fonte do governo federal destacou que os blocos estão a mais de 50 quilômetros da costa e a profundidades superiores a 50 metros do solo marinho. Por isso, acredita que não haverá problemas com as licenças. Como vê essa declaração?

A declaração do governo federal é feita sob curiosa e simbólica condição de réu-confesso. Liberam as licenças de exploração, flexibilizam as leis ambientais, violam direitos de trabalhadores e acordos internacionais de proteção de comunidades afetadas, desmontam códigos. E tudo isso sequer é julgado. O “desenvolvimentismo a ferro e fogo” não encontra obstáculos para se instalar e expandir. É o que o Estado e as empresas chamam de “segurança jurídica”. Na verdade, trata-se de uma justiça dúbia, pois, do outro lado, pescador que acessa áreas pesqueiras invadidas pela exploração tem seu barco retido e sua documentação interditada. Camponeses que criam galinha, porco ou plantam próximos dos dutos são multados. Toda e qualquer resistência é criminalizada ou ameaçada, como o que se passa com os pescadores da Bahia de Guanabara, alguns já mortos por conflitos com empreiteiras e empresas de vigilância da Petrobrás. Para os interesses empresariais tudo é permitido.

O que isso demonstra sobre a agenda ambiental do governo brasileiro?

Agenda Ambiental? O governo tem uma agenda econômica inflexível, e uma agenda social frágil e compensatória. O PAC é o símbolo mor dessa agenda. Torna imperativo o crescimento acelerado da economia, como se o fator redistributivo fosse dependente deste crescimento unilateral e insustentável. O que o país já produz poderia ser muito melhor distribuído, de forma transparente e radicalizando a democracia participativa. Talvez não seja necessário expandir desenfreadamente a exploração do petróleo para melhorar a educação, a saúde, a política de segurança alimentar, para realizarmos as reformas agrária e urbana. E, uma vez explorado nesse atual temeroso ritmo, o que garante que a renda gerada seria de fato utilizada para a construção da seguridade social?

Os exemplos já instalados em Campos e Macaé, no norte do Rio de Janeiro, bem como na Baixada Fluminense ou Recôncavo Baiano, demonstram que territórios petroleiros são áreas de alta concentração de renda e poder, em detrimento do bem-estar da população residente. A agenda do governo passa ao largo da Justiça Ambiental, e aposta, por exemplo, na universalização do automóvel, quando as cidades já estão com trânsitos totalmente congestionados. Carros superpotentes circulam em velocidade de bicicletas e cavalos! Uma política totalmente anacrônica, mas articulada aos lucros das grandes empresas automobilísticas e da construção urbana de elevados, viadutos, megarrodovias e túneis.

É possível explorar o petróleo e preservar o meio ambiente?

Não creio que seja possível, em sentido restrito, explorar petróleo e preservar o meio ambiente. A exploração será cada vez mais algo de alto risco, porque as reservas estão cada vez mais distantes, nos polos, na Amazônia, em grandes profundidades marítimas. Por isso o petróleo deve ser usado de forma muito, mas muito seletiva, pois é um bem comum extremamente valioso para estar sendo queimado em engarrafamentos urbanos ou na fabricação de agrotóxicos, por exemplo.

Não se trata de acabar de vez com o uso do petróleo, mas de perguntar para que estamos fazendo uso dele. Por exemplo, todo o petróleo de um desses blocos não é suficiente para abastecer uma semana de guerra no Afeganistão! Para cada barril produzido, segundo Oilwatch, são oito barris de água! Devemos perguntar então: Para que e para quem vão se expandir a exploração e a produção de petróleo e gás? O petróleo será sempre mais valioso (e nosso!) quando no subsolo e, talvez, seja esta uma decisão e um bem comum que devemos deixar para as gerações futuras.

Espero que tenham mais responsabilidade e cuidado com o planeta e a sociedade. A crise climática, provocada justamente pela queima de combustíveis fósseis, aponta um necessário cenário de transição energética. Vamos esperar a última gota de óleo, do último poço, para pensarmos a transição? Aprofundar o país numa agenda petroleira retira as próprias possibilidades históricas de transição. Por isso, no Fórum dos Afetados por Petróleo e Gás do Espírito Santo, estamos construindo a campanha por “áreas livres de petróleo”, onde a sociedade possa ter o direito de dizer “não” à exploração desenfreada: áreas pesqueiras, comunidades litorâneas, quilombolas, camponesas, áreas de assentamento de reforma agrária, áreas de grande sociobiodiversidade.

Não queremos exploração nos territórios da utopia! O que está em debate é o próprio horizonte da transição energética. Até quando vai a expansão petroleira? Em que ritmo? Para que usos? Quando se iniciarão a redução gradativa da exploração e o uso? E quando se iniciará sua concomitante redistribuição na sociedade brasileira? Quais as fontes mais apropriadas para cada território e uso? Não deixar que a expansão se realize por inteiro, em ritmo acelerado, pode ser um primeiro passo para uma estratégia consequente e responsável de Justiça Social e Ambiental.